Sobre Jogos, Deuses e Reis

Jogos, deuses e reis sempre estiveram ligados. O imponderável dos resultados dos jogos era visto como sinais divinos, e também proporcionavam brincadeiras com o poder, com o Destino, e os impactos que causavam na vida das pessoas. Hoje vamos ver algumas dessas histórias.

 Uma bela alegoria nessa área, resgata por Andrew Steinmetz em seu maravilhovo “The Gaming Table”, é do nascimento do Jogo. Segundo as lendas, A Deusa da Fortuna andava perto da piscina do Olimpo quando encontrou o Deus da Guerra, ambos estavam muito animados e dessa animação tiveram uma criança que já nasceu bastante rebelde, o nome dela? Jogo. Essa filha só se acalmava quando brincava com cartas, dados, tabuleiros, fichas e toda a sorte de elementos lúdicos.

A criança cresceu e se tornou uma pessoa encantadora, que acabava envolvendo ambos os sexos, e poucos resistiam ao seu charme e sedução. Desses relacionamentos, ela teve dois gêmeos: o Duelo e a monstruosidade do Suicídio. Ela logo se apaixonou por ambos, e como toda mãe cuidadosa, passou a enchê-los de mimos, e a sempre estar com eles, ela realmente gostava da companhia dos seus filhos e como eles a completavam.

 E a Deusa da Fortuna também amava sua filha e netos, e espalhou casas para eles em todos os lados. Eles habitavam os palácios dos reis e também as cidades, onde surgiam vários locais de adoração para a deusa dos Jogos. E muitos entravam, venciam o Duelo, e saiam ricos, contando suas glórias, já outros, perdiam tudo, e fracos, caiam nas mãos da monstruosidade do Suicídio e seu novo companheiro, o Desespero.

A Deusa da Fortuna

Mas a relação entre jogos e religião não ficou restrita ao Olimpo, ela também preocupava os “Pais da Igreja Católica”, em seus escritos, há uma série de advertências e críticas contra os “jogadores de dados” e o efeito dos “dados” na vida das pessoas. Clemente de Alexandria disse em seu livro 3 “O jogo de dados deve ser proibido, e também a busca de lucros, especialmente pelos dados, que muitos acabam seguindo. Essas coisas a prodigalidade pelo luxo inventa o ócio. A causa é a ociosidade, é um amor para frivolidades além da verdade. Pois não é possível de outra maneira  obter prazer sem prejuízos e a preferência de cada um pelo seu modo de vida é a contrapartida de sua disposição “.

 A grande questão levantada pelos teóricos católicos era que os jogos levavam a uma crença no Destino, em contraponto a Fé. O lançamentos dos dados, levava seus participantes a acreditarem numa mudança da sorte e de seu destino, sem normalmente levar em consideração os desígnios da fé. Essa improbabilidade e variedade de opções trazidas pelos dados, são um dos elementos de game design que permitem que os jogos tragam elementos que surpreendam os jogadores e aumentem a rejogabilidade, como apontamos no post Jogos, suas características e a busca de parâmetros para análises.

São Clemente de Alexandria

 Outra história que fala da ligação de jogos e como eles influenciavam a vida e morte, é uma anedota da pérsia antiga, ligada ao período de Cyrus, cerca de 400 anos antes de Cristo. Segundo a história, a rainha Parysatis, mãe de Cyrus, usou toda sua habilidade nos jogos de dados, para armar uma cruel morte contra o escravo que havia matado seu filho, mesmo ele sendo apenas o executor do assassinato, armado pelos inimigos de Cyrus. Assim nos conta Steinmetz, através do relato de Plutarco (Artarxerxes do Império Persa, Vidas Paralelas):

“Não restava então a Parisate, para terminar a sua tarefa, senão Mesabate , um dos eunucos do rei, que tinha cortado a mão e a cabeça a Ciro; vendo que ele se conservava sempre vigilante e atento em suas palavras e atitudes, não lhe dando ocasião de prendê-lo, por fim, armou-lhe ela uma cilada: era mulher de muito espírito, e que dentre outras coisas sabia muito bem jogar dados e antes da guerra frequentemente o fazia com o rei. seu filho: depois da guerra, ainda, depois de ter feito seus deveres, não deixou de jogá-lo e de passar o tempo como antes, até a conhecer os segredos de seus amores, e a ajudá-lo a deles gozar: em suma, não o perdia de vista, dele se afastava o menos possível, deixando apenas à esposa Estatira, o pouco tempo de que ela podia dispor para estar com ele, quer porque a odiava mais que qualquer outra pessoa no mundo, quer porque queria ter mais crédito e prestígio perante o rei do que ninguém mais. Um dia, então, vendo o rei quase na ociosidade, e não sabendo como passar o tempo, ela lhe propôs jogar mil dáricas nos dados, e propositalmente quis perder, pagou-o em moedas contantes, mostrando, porém, que estava aborrecida e se sentia irritada: pediu-lhe então que jogassem, desta vez, um eunuco, e o rei ficou satisfeito com a proposta: mas antes de jogar puseram esta condição no jogo, que um e outro excetuaria nomeadamente os cinco que lhe eram mais fiéis e que lhe eram mais caros, e o resto, aquele que perdesse teria que entregar prontamente ao ganhador aquele dentre os outros eunucos que lhe fosse pedido. Puseram-se a jogar com essa condição e ela fazendo tudo o que sabia e podia nessa modalidade de jogo, com todo o cuidado e atenção e com o que os dados a favoreciam, tanto fez que ganhou e pediu a Mesabates por ter vencido, porque ele não era dos que o rei tinha excetuado. Tendo-o entre suas mãos, antes que o rei pudesse suspeitar do que ela queria fazer, ela o entregou aos carnífices e ordenou-lhes que ainda vivo lhe tirassem a pele e depois o crucificassem e atassem seu corpo em três cruzes, e estendessem sua pele sobre um outro pedaço de madeira, à parte.”

 A macabra história da Rainha  Parysatis mostra como os jogos podem se misturar com a vida real, fazendo ligações entre os dois lados, bem ao estilo dos Alternate Reality Games. Entretanto, nesse caso, essa mistura é extrema e sádica.

O historiador Plutarco

 Esses mitos e histórias, além de apresentarem questões morais sobre o jogo e o vício em jogos, também apresentam questões de game design, pois são baseados em elementos normalmente presentes em um jogo: probabilidade, sorte e habilidade (estratégia/guerra). Além de mostrarem como os jogos encantam a sociedade desde longa data, sendo objeto de fáscinio para muitos deuses, reis e mortais. Mas por hoje chega, novas histórias ficarão para novos posts.

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Estudo de jogos antigos. Arqueoludogia: Liubo

Hoje inauguro uma nova seção no blog! Na Arqueoludogia falarei de jogos antigos, esquecidos e/ou históricos.

Dessa vez vamos falar do ancestral dos jogos de tabuleiro, um jogo chinês chamado “Liubo”.

O nome Liubo vem do chinês (”Liu = seis, bo = bastão), e é um jogo de chance, uma espécie de corrida entre dois jogadores onde estes buscam aprisionar as peças do adversário. Estas peças são movimentadas conforme o lançamento de pequenos bastões de madeira.

O jogo fez muito sucesso entre o período de 700 a.C até 300 a.C, sendo muito famoso especialmente no Período dos Reinos Combatentes (V a.C até 221 a.C) e na Dinastia Han (206 a.C até 221 d.C), onde nas cidades ricas e entre a população de alta classe, o jogo era muito comum. Entretanto, aos poucos o jogo foi perdendo espaço e desaparecendo.

Partida de Liubo

No entanto, nos últimos anos diversas descobertas arqueológicas e estudiosos passaram a levantar informações sobre o jogo e a forma de jogar. Em especial ao excepcional trabalho de Jean-Louis Gabriel Cazaux, que pode ser encontrado aqui, que resgatou as regras do jogo e que serve de base para esse post. São esses elementos das regras que vamos observar agora.

Há diversas variações de peças e materiais, mas normalmente são:

Componentes Liubo

1 caixa de madeira para guardar o jogo

1 tabuleiro de madeira

12 peças sendo 6 pretas e 6 brancas.

12 bastões para serem arremessados, divididos em dois grupos de seis bastões, um para cada jogador. (São esses os bastões que dão nome ao jogo)

Algumas variações do jogo utilizam: fichas que funcionam como marcadores de vitória e 1 pequena faca para criar ou marcar as fichas caso seja necessário

Componentes do Liubo

Em resumo, a ideia do jogo é bem simples: cada jogador lança os bastões, e influenciado pelo resultado dos bastões ele poderá mexer as suas peças no tabuleiro. Quem conseguir ao longo do movimento capturar primeiro todas as peças do adversário, ganha. Entretanto, há uma série de variações causadas pelo tabuleiro no movimento das peças, para entender isso, vamos olhar o tabuleiro.

Diagrama do Tabuleiro Liubo

As peças irão se mover ao longo do tabuleiro no sentido anti-horário e com movimentação especial conforme os pontos cardeais. Esse próximo diagrama feito por Cazaux ajuda a entender isso.

Movimentação e posição das peças no Liubo

As peças começam no ponto 1, e se movimento seguindo o diagrama em direção ao aumento dos números ou seja, no sentido anti-horário.

Entendido o funcionamento do tabuleiro, vamos agora a uma resumo das regras:

Regras em 10 passos:

1. Cada jogador escolhe uma cor e pega as peças respectivas a ela. Além disso, pega também seu kit de seis bastões. Nenhuma peça começa no tabuleiro, os jogadores devem ficar com elas na sua frente.

2. Na hora de movimentar as peças, cada jogador arremessa seus bastões. Eles serão agrupado em grupos de três, e lidos conforme seus lados, o lado plano do bastão é o yang e o lado convexo é o ying.

3. Cada grupo de três bastões é alinhado e a pontuação é contabilizada da seguinte maneira: yang = 3 pontos, ying = 2 pontos, e desse somatório subtrai-se 5. Por exemplo, em uma jogada eu obtenho 2 yangs e 1 ying, logo minha pontuação é: 2×3+2 – 5= 3 pontos.

Com base nisso, a menor pontuação possível é 1 (tudo Ying) e a maior 4 (tudo Yang). Essa pontuação é que irá determinar quanto cada peça irá se mover.

4. O jogador realizada dois movimentos de peças no seu turno, cada movimento é baseado no lançamento de cada grupo de três bastões. O jogador deve mover duas peças diferentes, nunca pode mover uma peça duas vezes.

5.  A movimentação das peças segue as seguintes regras: As peças começam no ponto 1, e se movimentam seguindo o diagrama em direção ao aumento dos números. Ou seja, a peça vai do 1 ao 2, do 2 ao 3, e assim continua. Entretanto, sempre que atingir o próximo ponto cardeal além do 1, ou seja, o 6, o jogador pode mover sua peça diretamente para o próximo ponto cardeal, isso significa que o jogador pode mover a peça do 6 para o 11 ou o 16. E também do 16 para o 1. As peças podem ficar dando voltas no tabuleiro, ou seja, após chegar no 20, o jogador continua movendo a peça.

6. Quando a peça movida por um jogador encontra a peça de outro jogador. A peça que não estava sendo movida é retirada do tabuleiro, e ele deverá colocar ela novamente no tabuleiro.

7. A Coruja: Quando uma peça atinge o quadrado central ela pode se tornar uma coruja. Apenas uma peça pode se tornar coruja, todas as outras que chegarem posteriormente continuam como peças comuns. A Coruja possui movimentação especial podendo se mover no sentido horário ou anti-horário, quando a coruja cai sobre uma peça, ela captura essa peça, e essa peça é removida do jogo. Caso a coruja seja capturada, o jogador dono da coruja perde automaticamente o jogo. O jogador que possui uma coruja também perde o jogo caso após sua jogada, o oponente possua 5 peças no tabuleiro e não tenha nenhuma coruja. Para diferenciar a Coruja das demais peças, a Coruja é colocada na vertical, enquanto as outras peças ficam na horizontal.

8. Quando uma Coruja captura outra Coruja, o jogo não acaba. A Coruja capturado é removida do jogo, e deve reentrar como uma peça comum.

9. Toda vez que uma peça de um jogador completar um volta completa, ou seja, passar novamente pelo ponto 1, ele recupera uma peça apreendida pela coruja, e também realiza um movimento extra. Quando qualquer jogador tira resultados iguais em seus dois lançamentos, ou seja, 1-1 ou 4-4, ele também pode realizar um movimento extra.

10. Além de vencer pela captura da Coruja do adversário utilizando uma peça comum. Outra forma de ganhar , é quando um jogador captura todas as 6 peças do oponentes. Esse tipo de vitória é considerada de grande estilo.

Esculturas de barro jogando Liubo, material encontrado em tumba da Dinastia Han Oriental (25–220 a.C)

Reflexões a partir do Liubo:

Liubo apresenta interessantes elementos de design.  O primeiro aspecto é o uso de bastões para produzir os resultados variáveis. Esses bastões substituem o uso de dados, e servem de reflexão para pensarmos como estamos acostumados com o uso de dados para produzir esses resultados, e muitas vezes esquecemos que há toda uma gama de opções para isso. Como moedas, búzios, runas e toda uma série de elementos adivinhatórios.

Outro elemento interessante é o fato do jogo ser simples de aprender e difícil de dominar. Liubo é um jogo bastante complexo e que exige do participante atenção e uma série de escolhas a todo o momento para conseguir vencer o jogo. Promovendo um continuo aprendizado conforma vai sendo jogado.

E por fim, outro aspecto interessante é o fato do jogo ter diversas formas de vitória. Isso aumenta a variedade de opções, além de proporcionar um maior equilibrio para o jogo. Pois mesmo o jogador que estiver melhor no jogo, se não ficar atento, pode acabar perdendo. isso diminui a chance da partida ser desequilibrada e enfadonha.

Estudar os jogos de antigamente é um exercício que sempre recomendo, pois estes trazem normalmente paradigmas e elementos bem diferentes dos dias atuais, o que permite pensar além das estruturas de game design atual, e a expandir e oxigenar nossa visão sobre os jogos. Espero que tenham gostado! Até a próxima arqueoludogia!

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Tema x Mecânica

Dois pontos fundamentais no game design são o tema e a mecânica. Em uma definição simplificada, o tema diz sobre o que é o jogo ou o seu assunto. E a mecânica é o desenvolvimento matemático desse tema, a forma estrutural do jogo – ou seja, como ele funcionará.

Cada designer normalmente tem suas preferências em relação ao que focar no desenvolvimento, mas é normal experimentar vários modelos dependendo do projeto. Vamos falar de algumas aproximações e dicas sobre esse assunto.

Eu, como game designer, na maioria dos casos começo pelo tema. Normalmente o processo criativo começa quando lendo, vendo ou pensando em alguma coisa tenho a sensação de que esse elemento pode virar jogo.

Tema ou que raio de jogo é esse

Uma dica para o desenvolvimento de um jogo a partir do tema, e que usamos no workshop Gamerama, é pensar em algumas palavras-chave e refletir a partir delas. Pense em três palavras que possam ajudar a definir sobre o que é seu jogo e o que você pretende com ele. Recomendo utilizar substantivos ou adjetivos nessa fase, deixando os verbos para o momento de reflexão sobre a mecânica. Por exemplo, vou fazer um jogo baseado na obra de H.P Lovercraft, e coloco como palavras-chave: investigação, horror e desconhecido.

As palavras vão ajudar a traçar o caminho que você deseja para o desenvolvimento do seu jogo. E caso você se perca no processo, e isso quase sempre ocorre, volte nelas e observe o que você planejou no escopo inicial. Esses elementos também ajudam durante o processo de playtest e nas suas conversas/entrevistas com os jogadores participantes do teste. A partir deles você pode ver se os jogadores sentiram/perceberam os componentes que desejava no jogo.

Outra dica no desenvolvimento do tema é olhar o aspecto narrativo. Que histórias eu pretendo desenvolver sobre ou nesse jogo? Me preocuparei com que o jogo conte uma história, ou meu foco será na história da partida? Seu design objetivará as narrativas que surgem ao longo do jogo e privilegiará as interações entre os jogadores? O risco do desenvolvimento a partir do tema é você ter um jogo muito envolvente no aspecto temático, porém desequilibrado matematicamente. O jogo é muito legal, mas alguém vai sofrer.

Arkham Horror é um bom exemplo de jogo que realizou uma integração entre tema e mecânica.

Alguns designers preferem focar o desenvolvimento a partir da mecânica. Um bom exemplo é o designer alemão de board games Reiner Knizia. Na maioria dos seus jogos ele procura desenvolver o jogo a partir de uma fórmula ou problema matemático.

E isso funciona muito bem para ele – afinal, já criou mais de quinhentos jogos! Uma das vantagens dessa linha é que normalmente os aspectos de equilíbrio e jogabilidade são mais fáceis de serem atingidos a partir dessa abordagem. Seguindo nossa linha de dicas, você pode desenvolver um jogo pegando uma teoria matemática – por exemplo, conjuntos, perturbações, grupos ou qualquer outra, existem várias! – adicionar algumas palavras-chave (recomendo verbos nesse caso) e juntando esses elementos, pensar uma mecânica para um jogo. Após desenvolver o modelo matemático pode começar a acrescentar os elementos do tema. Entretanto, um risco desse método, porém, é o tema ficar superficial dentro do jogo.

Esse modelo também é utilizado para o desenvolvimento de jogos abstratos, onde todo o foco está na estrutura matemática e o tema é apenas uma – com o perdão da redundância – abstração.  Teoricamente qualquer tema pode ser encaixado dentro da estrutura do jogo, basta apenas um pouco de história antes de apresentar o jogo. Um exemplo disso é o xadrez! São dois reis guerreando, mas poderiam ser mafiosos, traficantes, insetos… Ou seja, num jogo abstrato, com uma boa introdução, todo tema é válido.

Cada designer deve utilizar o método e a dinâmica que sentir mais à vontade. Entretanto é importante conhecer várias técnicas para poder utilizá-las nas mais diferentes situações. Quanto mais jogos fizer, mais ele as dominará e acabará desenvolvendo sua própria metodologia, e assim como seu jogo, ninguém será mais dono dela do que você. E isso faz uma baita diferença!

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Então você deseja ser um designer?

Com o crescimento da área de jogos, muitos jogadores têm o desejo de tornarem seu hobby uma profissão. Entre as diversas carreiras do meio, como programadores, artistas, produtores, a área de game design é almejada por muitos.

Entretanto, como ser um game designer? Por ser uma área muito nova, não há um currículo estabelecido como padrão e as formações e escolas para a área são as mais diversas.

Entretanto, há algumas recomendações gerais. Richard Garriot, game designer da série de RPG Ultima, e um dos meus designers preferidos, diz que a formação nessa área deve ser a mais expansiva possível. O game designer deveria ter noções de programação, algoritmo e pensamento lógico. Além disso, deve interessar por arte, gostar e estudar elementos de música e trilha sonora.

Ou seja, o game designer deve ir incorporando na mecânica que desenvolve do seu jogo os outros elementos desenvolvidos pela equipe, ao mesmo tempo em que essa mecânica expande e influencia o trabalho da equipe. Devido a isso, é importante ter noções nessas áreas. Elas auxiliam a manter constante o fluxo de trocas no desenvolvimento do jogo.

Outra dica que considero importante no desenvolvimento como game designer é a máxima “Jogue. Jogue muito, jogue tudo.” Normalmente há dois grandes grupos de jogadores e designers: o grupo ligado aos jogos digitais e os voltados para jogos analógicos. Dificilmente há uma comunicação entre esses dois blocos, e isso é prejudicial para o game design. Ao conhecer os elementos de mecânica e de desenvolvimento de ambas as áreas, o designer pode cruzar elementos em comum e proporcionar sinergia e expansão de possibilidades para seu projeto.

Outro elemento para o game designer é aprender mais sobre matemática, principalmente voltada para jogos. Você não precisa gostar, mas é importante conhecer mais sobre assuntos como conjuntos, noções de probabilidade, cálculo, teoria de jogos, entre outros elementos que irão ajudar no desenvolvimento de um jogo “balanceado”. Conhecer mais matemática também irá lhe permitir uma melhor comunicação e integração com, por exemplo, a equipe voltada para o desenvolvimento da programação de um jogo digital.

Além de jogar muito, vá aos mais diversos tipos de eventos relacionados a jogos. Os mais diferentes possíveis, sejam eles de RPG, boardgames, videogames, campeonatos de carteados, jogos esportivos. Converse com as pessoas, descubra o que as atrai nesses jogos, experimente novos jogos, jogue no evento, vivencie a experiência dos participantes.

Por último, “crie, crie, crie muitos jogos”. A leitura é importante, a observação e a vivência também. Mas nada irá desenvolver mais suas habilidades de design de jogos do que a prática. A criação e prototipação de jogos analógicos facilita esse processo, pois requer poucos recursos técnicos e permite focar no desenvolvimento do jogo. Enquanto em um jogo digital a implementação de suas ideias iriam exigir um bom tempo de desenvolvimento, no desenvolvimento analógico você pode testar essas ideias mais rapidamente, e ir promovendo modificações e o desenvolvimento de suas habilidades de uma forma mais fácil. Mas chega de jogar com as palavras por hoje. Mãos a obra, há muitos jogos para serem feitos.

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Anatomia Lúdica: Dados

Hoje começo uma nova coluna do blog chamada Anatomia Lúdica. Nesse espaço pretendo fazer uma análise estrutural dos jogos. Hoje vamos analisar um das mais antigas formas de jogo da humanidade: dados.

Esse recurso lúdico tem uma origem incerta no tempo e espaço. O famoso dramaturgo grego Sófocles afirmava que os dados foram inventados pelo herói grego Palamedes enquanto este cercava Troia. Já Heródoto dizia que foi o povo lídio que inventou os dados. O tempo passou e descobertas arqueológicas mostraram que os dados são muito mais antigos do que os gregos nos informaram.

Os dados possivelmente surgiram há 5 mil anos e eram utilizados inicialmente para artes adivinhatórias, mas em pouco tempo surgiram os jogos e este tipo de atividade se tornou uma prática para egípcios e chineses.

Hoje existem inúmeros jogos baseados em dados, mas a grande maioria pode ser dividido em duas categorias básicas:

Jogos de sorte, em que o jogador não tem nenhum controle estratégico sobre o resultado.

Jogos de influência, em que o jogador tem decisão estratégica sobre o resultado do jogo.

Como qualquer tipo de jogo, cada um deles tem seu momento e seu local, e ambas as categorias apresentam jogos interessantes e divertidos. Agora vou falar um pouco mais de cada categoria e exemplificar com um jogo de cada tipo.

Jogos de Sorte

Essa categoria de jogos é simples: você joga os dados e torce para que consiga obter o resultado que te leve a vitória. Mas nem por isso são menos divertidos. Jogos desse grupo normalmente são leves e rápidos, mas sem deixarem de ter a tensão de desafiar sua própria sorte.

Existem diversas subcategorias dentro de jogos de sorte, mas as principais são:

jogos de sorte e pontuação
jogos de sorte que usam marcadores
jogos de aposta

Posteriormente falarei especificamente de cada uma delas, mas para exemplificar melhor agora a categoria mais ampla de jogos de sorte, vou falar de um jogo chamado “Seven Up”.

# Seven Up #

Seven Up é um jogo que comporta qualquer número de jogadores e é voltado para todo tipo de público, especialmente para jogadores casuais e para a família.

Material: dados e marcadores.

Preparação:
No inicio do jogo, cada jogador recebe 21 marcadores (feijões, moedas, miçangas, etc). Além disso, devem ser colocados alguns marcadores no meio da mesa e também são necessários dois dados.

Objetivo: O objetivo do jogo é ser o último jogador a manter seus marcadores.

Regras: Após todos os jogadores receberem seus marcadores, o primeiro jogador (decidido na sorte dos dados, é claro!) joga ambos os dados:

– Caso o jogador obtenha um 7, ele retira sete marcadores do centro da mesa.
– Caso ele obtenha qualquer outro resultado, ele deve perder marcadores iguais à diferença entre seu resultado e o número 7. Esses marcadores são colocados no centro da mesa.

O jogo continua no sentido horário até que um jogador perca todos seus marcadores. Ao acontecer isso, esse jogador é declarado o perdedor e todos os outros ganham.

Foto por: Sarah Spaulding

# Jogos de Influência #

Nessa categoria de jogos, a sorte continua presente no resultados dos dados, entretanto ela é minimizada a partir das escolhas dos participantes. Ou seja, o jogador passa a ter um maior controle estratégico sobre os resultados e pode estabelecer táticas que aumentam sua chance de vitória.

Dentro dessa categoria maior, existem uma série de subcategorias:

– jogos de progressão
– jogos de risco
– jogos de estratégia
– jogos de blefe

Também falaremos sobre elas em outros posts, mas agora vou exemplificar a categoria de jogos de influência através de um jogo chamado “Navio, Capitão, Imediato e Tripulação”

“Navio, Capitão, Imediato e Tripulação”

Esse jogo é voltado para a família, possui um tema atrativo e comporta qualquer número de jogadores – apesar de funcionar melhor entre 3-5 jogadores.

Material: 5 dados e papel para anotar os resultados.

Objetivo:
Conseguir obter os números 6, 5 e 4 nessa ordem, e ganhar pontos com os dados restantes.

Regras:

O primeiro jogador (escolhido na sorte) começa e o jogo segue no sentido horário.

Cada jogador lançará os 5 dados juntos até 3 vezes para obter os números desejados. Assim que ele tirar o número 6, ele reserva esse dado (é seu navio) e continua jogando os dados restantes. Caso ele obtenha um número 5, após ou junto do número 6, ele também separa esse dado do restante (é o capitão). Ao obter o número 4 (seu imediato), o jogador atingiu o objetivo de qualificar seus dados, e os dados restantes são sua pontuação.

Por exemplo: Um jogador lança os dados pela primeira vez e obtém 6, 4, 3, 2, 1. Ele separa o dado que tirou 6(navio), joga sua segunda tentativa (agora somente com 4 dados) e tira 5,4,3,2. Ele destaca o dado que obteve o número 5(capitão) e logo em seguida o que tirou 4(imediato). O jogador completou seu navio, capitão e imediato, os dados restantes serão sua tripulação e sua carga. Serão esses dois dados restantes que darão sua pontuação. Voltando ao exemplo, o jogador obteve 3 + 2: 5 pontos! Ele conseguiu completar seu navio já na segunda jogada de dados, e ainda poderá tentar uma terceira e última vez caso queira obter um resultado melhor que o anterior. Mas vale lembrar que ele só poderá jogar apenas dois dados. Por exemplo, o jogador decide tentar novamente e obtém 3,3 no dado! Com isso, ele anota no caderno de pontos que ganhou 6 pontos, e a rodada prossegue com o próximo jogador no sentido horário.

Nesse último jogo, o participante já possui algum possibilidade táctica dentro do jogo. Ele já pode escolher se irá arriscar uma nova jogada (e com isso poder ter novos ganhos ou perdas) ou procurar manter seus resultados. Caso o jogador não seja um dos primeiros, ele também poderá realizar suas ações baseado nas jogadas dos outros jogadores (essa característica também deixa exposto um desbalanceamento do jogo).

Cada uma das características sobre jogos de dados descritos nesse post tem seu espaço e uso no game design. Cada sistema tem suas vantagens e desvantagens, e a escolha de um em detrimento do outro depende do objetivo, público-alvo e qual o impacto que você deseja da sorte ou estratégia em seu jogo. Um bom exercício de design é escolher alguns jogos já estabelecidos, e ir promovendo modificações e substituições nas suas mecânicas. Essa experiência de anatomia lúdica é uma forma de testar novos limites para velhos jogos, expandir suas habilidades e criar possibilidades futuras para novos jogos.

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Jogos, suas características e a busca de parâmetros para análises

Nesse post, inspirado pelos game designers Richard Garfield e Ian Livingstone, procuro estabelecer alguns parâmetros que considero importantes na tarefa de analisar um jogo. Busquei analisar elementos que considero relevantes tanto para jogos eletrônicos como para os analógicos. Estabelecendo algumas características básicas é possível procurar observar o jogo a partir de determinados elementos e com isso buscar diminuir o aspecto subjetivo de uma análise. Espero que essa reflexão inicial também contribua na área de design de jogos.

Considero que uma das características básicas de um bom jogo é:  que ele seja fácil de aprender, porém difícil de ser dominado e de vencer.  Isso não é um dogma, mas é um dos primeiros elementos que observo quando analiso um jogo, os outros que aponto como importantes são as seguintes:

Rejogabilidade

Uma das principais coisas que qualquer jogo deve ter é a capacidade de permitir diversas partidas e experiências para os jogadores. Esse rejogabilidade pode ser na própria mecânica central do jogo, como por exemplo elementos que se alteram ao longo do jogo e com isso permitindo partidas diferentes, quanto pode ser na capacidade do jogo oferecer diversas formas de ser jogado.
Os board games com tabuleiros que são montados ao longo do jogo, como Carcassone, são um bom exemplo de jogos que incluem rejogabilidade dentre do sua mecânica. Os diversas formas de se jogar Poker é outro exemplo.

Tabuleiro do jogo Carcassone sendo montado através dos "titles" que os jogadores colocam ao longo do jogo.

 

Sorte

Sorte é um elemento que deve colocar um contraponto a habilidade no jogo. A sorte não deve ter um peso de forma a determinar o funcionamento do jogo, tirando totalmente o peso das ações do jogador. Entretanto, jogos onde somente existe o elemento habilidade, acabam se tornando não atrativos para novos jogadores, pois estes estarão sempre em grande desvantagem frente a jogadores com maior experiência. Além disso os jogos baseados somente em habilidade podem caminhar para a monotonia após um jogador com perícia conseguir encaixar sua estratégia.
O Jogo da Vida é um excelente exemplo de jogo que é praticamente controlado pelos dados e sua aletoriedade.  O jogo de tabuleiro Shadow Hunters utiliza o elemento sorte de uma forma mais equilibrada e melhorando a dinâmica do jogo.

Chinês preparando ataque no Shadow Hunters. A aleotoriedade do dado, depende da decisão do jogador de atacar ou não. É apenas uma opção entre várias alternativas que o jogador possui.

Política

Outro característica interessante nos jogos é o elemento político. Esse elemento ocorre quando o jogo busca estimular a discussão, as parcerias e articulações entre os jogadores. Eu gosto do elemento político, acredito que ele dê um tempero a mais no jogo, e estimula a parte social, entrentato deve ser bem dosado para diminuir o risco de se tornar somente política. Jogos com elementos políticos devem ser evitados por pessoas “esquentadas”, elas  poder correr sérios riscos de perder os amigos, é um tipo de jogo onde existe grande chance de surgir discussões acaloradas.
Um exemplo sensacional de política em um jogo, é o cardgame Illuminati da Steve Jackson Games. Aliás, esse jogo é extraordinário, existinto até uma variante de regras onde é liberado o “roubo”, isso mesmo, sendo acordado entre os jogadores, vale roubar, sensacional.

No cardgame Illuminati, o elemento político é intenso.

Informações secretas

Eu particularmente gosto quando um jogo possui na sua mecânica a capacidade de permitir que os jogadores obtenham informações particulares sobre determinadas informações do jogo. Dessa forma, cria-se um clima onde cada jogador procura agir a partir da informação que tem e procurando imaginar qual é a informação que o outro jogador tem(ou não). Essa característica permite ainda surgir a tática do blefe.
Novamente Shadow Hunter entra aqui como exemplo, no jogo existem cartas verdes, que você entrega para seus adversários buscando identificar o que eles podem ou não podem ser, e somente você conhecerá essa informação. Isso cria uma clima de mistério e blefe extremamente agradável no jogo.

Eliminação / Tempo de Reinício

Característica fundamental ao meu ver. Não tem nada mais tedioso do que você ser eliminado de um jogo, e ter que esperar muito tempo para que a partida acabe para que o jogador eliminado possa voltar a jogar.  Para trabalhar essa questão, um caminho é não colocar elmininação no jogo. Entretanto, se a escolha do game designer for por isso, ele pode procurar colocar opções para que mesmo eliminado o jogador possa influenciar de alguma forma no jogo ou estabelecer um tempo curto de jogo, de forma que o intervalo entre as partidas seja curto.
Um exemplo clássico de péssimo uso da eliminação é War. Numa mesa com vários jogadores, a chance do primeiro eliminado ficar fora do jogo por horas é grande. Caso o jogo possua eliminação, considero o tempo de 30 minutos de partida ideal, algum jogador sendo eliminado não demorará muito a voltar a jogar.

Metajogo / Social

Uma característica que gosto de observar nos jogos é sua capacidade de expandir o metajogo. Considero metajogo tudo aquilo que faz pontes entre o jogo e a vida. Ou seja, a capacidade do jogo em produzir memórias, amigos, encontros ou seja laços sociais. Esse aspecto social do jogo acho bem interessante, e é um elemento que deve ser estimulado pelos games designers.
Isso pode ser feito quando o jogo permite um maior número de participantes (multiplayer) e também quando a mecânica do jogo estimula interações entre os participantes dentro do jogo. Ao interagirem, os laços entre os participantes vãos e fortalencendo e a partir disso surgirão provavelmente as histórias, os encontros ou seja, a produção de metajogo que irá expandir a experiência lúdica e social dos participantes.
Todo jogo irá produzir metajogo, entretanto algumas formas de jogo, como os multiplayers nos FPS, os MMORPGS, e o próprio RPG de mesa, possuem dentro da sua mecânica e dinâmica um maior incentivo a interação entre os jogadores, e normalmente esse maior contato social estimula a produção de metajogo.

Metajogo: Encontro de jogadores de Ultima Online

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Jogando com a história: Hunt the Wumpus

Esse post é o primeiro de uma série de análises sobre jogos clássicos.

Hoje falaremos do jogo que foi a base do que viria a ser conhecido como ficção interativa: Hunt the Wumpus.

Para entendermos melhor a história desse jogo vamos voltar um pouco no tempo.

Em 1970 a ARPANET, que mais tarde iria virar a Internet, ia sendo construída por jovens programadores que desenvolviam as bases da tecnologia da rede, grande parte desse trabalho vinha dos laboratórios das universidades ou de empresas de ponta da época. Entretanto, esses programadores não faziam apenas isso, eles também eram jogadores e isso acabou resultando na produção de uma série de jogos que eram prontamente compartilhados na rede.

Em 1972, Gregory Yob fez um jogo para a People’s Computing Company chamado “Hunt the Wumpus”. Rapidamente o jogo se espalhou pela rede, laboratórios de pesquisa e se tornou um sucesso.

Caixa do jogo "Hunt the Wumpus"

No jogo, você é um caçador preso em um labirinto que possui a forma de um dodecaedro. Você possui apenas três setas e tem que tentar acertar uma no Wumpus, uma fera que existe no labirinto, para matá-lo. Se fosse apenas isso, Hunt the Wumpus não teria nada de novo em relação a outros jogos similares de “hide and seek”(esconder e procurar) como Hurkle, Mugwump e Snar, se não fosse o dodecaedro. É nesse ponto que Hunt the Wumpus contribui com inovações na área do game design. Nas palavras de Gregory Yob:

Dois anos atrás, conheci a Computer People Company (PCC) e vi alguns dos seus jogos de computador – como Hurkle, Snark e Mugwump. Minha reação foi: “ECHH!” Cada um destes jogos foi baseado em uma grade cartesiana de 10×10 e três deles foi demais para mim. Comecei a pensar na seguinte linha: “Tem de haver um jogo de esconder e procurar no computador que não utilize essa grade! Na verdade, por que não um jogo de computador topológico – Imagine um conjunto de pontos conectados de alguma forma e o jogador faria seus movimentos no jogo através das interligações

E foi exatamente isso que Gregory fez. No jogo, cada face do dodecaedro é uma sala do labirinto e as arestas do polígono são as conexões entre essas salas. Em cada sala que você entra, você recebe algumas informações do que está acontecendo nas salas ao seu redor, sem deixar explícito em qual sala está ocorrendo isso, o jogador sabe apenas que é perto. Você recebe dicas sobre brisas que denunciam que o piso pode ser um precipício, grunhidos que indicam a presença do terrível Wumpus, barulhos de morcegos, entre outras coisas. A partir dessa informações, o jogador deve escolher entre se mover (e para qual sala ir) ou atirar uma das suas setas pelo corredor procurando atingir o Wumpus na outra sala.

Início do Hunt the Wumpus - Instruções

Além dos inimigos se moveram pelo labirinto, o jogo fica mais interessante e dinâmico ainda com as mudanças que ocorrem na localização das salas(e suas armadilhas) em conseqüências de terremotos.

Exemplo de jogo e morte, rs

É interessante observar que toda essa mecânica, foi baseada simplesmente em uma estrutura não convencional do piso do jogo, quando Yob trocou os quadrados cartesianos de 10×10 pelo dodecaedro, ele modificou e inovou na estrutura do jogo. Vale ressaltar que uma das coisas que fazemos no Gamerama é propor certas limitações e inovações desse tipo, um exemplo, é quando pedimos para os jogadores desenvolverem jogos de tabuleiros com estruturas não convencionais como: tabuleiros triangulares, em formato de círculos ou que se forme ao longo do jogo. Ao fazer isso são estabelecidas essencialmente duas coisas:

  • Ao desenvolver uma mecânica não tradicional, por mais simples que seja, é impressionante o resultado que isso terá em todos o jogo, muitas vezes levando a um processo inovador, como foi o caso do “Hunt the Wumpus”. E essa mecânica não precisa ser criada a partir do zero, muitas vezes, modificar somente uma peça já é suficiente para um funcionamento totalmente diferente da engrenagem. Do ponto de vista do game design, essas modificações são muito interessante de serem observadas e projetadas, pois serão elas que irão avançar nossas experimentações e conhecimentos na área.
  • Rejogabilidade. Essa palavra, que deve ser um mantra para todo game designer, está extremamente presente no “Hunt the Wumpus”. Como a cada nova partida (e mesmo durante a partida) as peças que formam o labirinto se rearranjam, o jogador sempre terá uma nova experiência a cada nova partida. Permitindo que o divertimento e a experiência com o jogo possam sempre se renovar.

Caso queira experimentar o jogo, e prefira uma versão gráfica dele, você pode experimentar aqui.  Também foi feita uma versão em PHP que pode ser conferida aqui. E caso queira experimentar uma versão mais “rootz”, minha preferida, você encontra uma versão em Python(2.6) aqui.

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Ultima IV: O melhor RPG que já joguei e uma aula de game design

Hoje vou falar sobre um jogo que considero uma obra prima do RPG e do game design: Ultima IV.

Meu primeiro contato com a série Ultima foi através de um kit multimídia Sound Blaster para meu 486 DX2-66 em 1994.  O kit vinha com diversos cds de jogos, inclusive um que continha as duas versões de Ultima VII e também Ultima VIII.

A partir desse contato inicial com a série, e de ter gostado de Ultima VII e VIII, procurei obter os outros jogos da franquia. E foi aí que descobri o melhor jogo da série Ultima e o mais próximo que já vi um rpg eletrônico se aproximar de um rpg “de mesa”.

capa da caixa do Ultima IV para Commodore 64

Ultima IV: Quest of the Avatar, produzido por Richard Garriott, saiu em 1985 para o Apple II. O jogo foi um marco para a série e para os rpgs eletrônicos, pois foi o primeiro rpg que fugiu do velho esquema “matar, pilhar e destruir” que dominava os rpgs da época (e ainda possuí amplas raízes nos jogos atuais) e se focou em questões éticas e morais.

Essa escolha inovadora fica explícita logo no começo do jogo, através de um processo original de criação de personagem.

Em vez de utilizar o método de distribuição de pontos em atributos e perícias, como normalmente era feito, o personagem é desenvolvido a partir de uma conversa com uma cigana, onde ela realiza uma série de perguntas relacionadas a temas éticos e morais e o jogador vai respondendo. O interessante é que não existem respostas certas ou erradas, e sim escolhas que você vai fazendo e que irão definir as características do seu personagem, determinando inclusive a sua classe.


O processo de criação de personagem através de perguntas.

Essa escolha inicial está muito relacionada ao enredo do jogo, pois em Ultima IV, seu objetivo não é derrotar um feiticeiro maligno, ou matar um dragão e resgatar uma princesa. Após o período de destruição e caos pelo qual Britannia passou, período este desenvolvido nos 3 primeiros jogos da série, Lord British quer estabelecer um longo período de paz, e para isso ele estabelece a busca por um Avatar. Esse Avatar deve ser alguém muito esclarecido que irá servir de exemplo e guia para nação. O nosso personagem principal buscará se tornar esse Avatar e para isso deve se aventurar buscando conhecer as virtudes e compreendê-las, para a partir disso tornar-se o líder espiritual de Britannia. Essa temática espiritual é fortemente inspirada no Budismo, aliás Richard Garriott (que é um dos meus game designers preferidos) confessou isso: disse que teve essa idéia para o jogo enquanto assistia um programa sobre esse tema.

É importante destacar que esse sistema moral acabou influenciando uma gama de RPG atuais, como Mass Efect, Dragon Age, Jedi Empire e praticamente todos os rpgs da Bioware.

Outra característica inovadora de game design foi a possibilidade de você poder se locomover livremente pelo cenário do jogo. Seu personagem poderia ir onde tivesse vontade e poderia utilizar diversas formas de transporte como cavalos , barcos ou mesmo se locomovendo no ar através de um curioso mecanismo. Não havia caminhos pré-determinados para conduzir o seu personagem, você ia para onde tivesse vontade, assim como normalmente acontece numa boa partida de RPG. É claro que no final do jogo as coisas convergem para um caminho comum, mas até esse momento você provavelmente já andou por meses ao longo das vastas terras de Britannia.

Aliás, liberdade e abertura foi a tônica do game design do Ultima IV. Além dessa liberdade de movimento, o jogador também poderia conversar com diversas pessoas e poderia resolver (ou não) as quests que ia encontrando ao longo do cenário.. As conversas com os NPCs também possuíam essa característica, pois era o jogador que escrevia as palavras ou assuntos que ele queria conversar com o NPC, apesar de ser um sistema de gatilho, onde determinada palavra digitada resultava em um feedback do NPC. Esse sistema permitia uma maior imersão dentro do jogo, pois você fica tentando imaginar que assuntos aquele NPC poderia conversar com você, muito mais do que costumeiros sistemas de rpg no qual você escolhe uma frase(entre algumas opções) como resposta.

Bem, vamos agora a outro aspecto importante no design de um jogo: a música. Nesse quesito, Ultima IV teve um acerto fulminante. Apesar dos limitados recursos da época(midi), a produção de Kenneth W. Arnold, ou melhor “Sir Kenneth” ou “Lord Kenneth” foi muito cuidadosa, desenvolvendo músicas agradáveis e que ,mesmo se repetindo ao longo do jogo, jamais cansam. Além disso elas proporcionam uma excelente ambientação para jogo. Ou seja, são as músicas certas nos momentos certos, e isso que deve ser uma trilha sonora de qualquer jogo.

Ultima IV também trazia várias surpresas para quem comprava a caixa do jogo. Além dos disquetes de instalação, o jogador também recebia um belo mapa feito em tecido representando o mundo de Britannia, suas regiões e suas ilhas. Porém o nome das localidades vinham escritas no alfabeto rúnico predominante em Britannia. Ou seja, se o jogador quisesse descobrir o nome dos lugares ele deveria “traduzir” as runas.

mapa feito em tecido

Além disso, na caixa do jogo vinham dois livros. Um era “The History of Britannia as told by Kyle the Younger, que lembrava um velho tomo medieval. Nesse livro era contada a história do mundo e também diversos detalhes que o personagem gostaria de saber sobre o lugar que está se aventurando. O outro livro era um livro de magias, que possuía uma capa em vinho escuro e escrito em runas douradas(impossível não gostar). Nesse livro o jogador obtinha informações sobre os diversos componentes que estabeleciam o sistema de magia do jogo, informações sobre onde encontrá-los e que combinação de componentes era necessária para realizar as magias.


livro de magia

Além dos livros, o jogador também encontrava na caixa uma pequena “Ankh” de metal, que representava a moralidade no jogo e está diretamente ligada às “virtudes” que o personagem deve buscar conquistar na trama do jogo.

Ahh, e agora vem a cereja no bolo. O livro “The History of Britannia as told by Kyle the Younger, contém informações essenciais sobre o sistema de virtudes do jogo, ou seja, se você pretende chegar ao final e obter sucesso em sua jornada, você deve ler o livro que vem na caixa. (Cheque o livro em formato em pdf aqui.)

Ou seja, Ultima IV é provavelmente o primeiro jogo que incita os jogadores a lerem um livro para terminarem um rpg eletrônico. (E um belo antecedente transmídia também).

Material completo que vinha com a caixa do jogo, incluindo os mapas, livros, e a pequena anhk de metal. Esse rico material lembra as "caixas" de AD&D da época. Uma bela idéia que os designers poderiam voltar a trabalhar.

Bem, fica ai a recomendação, se você não liga para o fato de o jogo ter gráficos de 30 anos atrás,  adora uma excelente história, gosta de observar um game design inovador (que serviu de inspiração para muito jogos atuais), curte RPG “de mesa” e sempre se sentiu frustrado com as limitações do rpg eletrônico, experimente o Ultima IV. Se você é um jogador, irá curtir, se você é um game designer, além de curtir, é importante conhecer um jogo que deixou tanta influência nos jogos atuais. E tentar entender o que levou os designers se tornaram tão conservadores e por que poucos tentaram ir além do que Ultima IV havia estabelecido há 25 anos atrás.

P.S: Caso tenha ficado interessado em conferir o jogo, você pode jogar uma conversão dele em flash aqui. Outro modo é baixar o jogo, ele foi liberado pela Origin, porém será necessário utilizar o Dosemu para conseguir rodá-lo.

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Mandando um Raise Dead no Blog

Bem, por diversos motivos, especialmente profissionais, o blog ficou um longo tempo parado, mas resolvi mandar um raise dead nele e finalmente começarei a postar com regularidade aqui.

E voltamos com novidade, como nesse período aumentei meu contato com jogos eletrônicos, inclusive tornando-me também um desenvolvedor iniciante, agora teremos um espaço para falarmos sobre eles também.

Ah, ainda preciso fazer um layout legal e arrumar outras coisas, mas isso vai ser feito com a casa em funcionamento.

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Notícias sobre pesquisas ligadas à educação

Sempre que for possível, postarei aqui algumas notícias sobre pesquisas que considero interessantes na área de jogos e educação. Bem, é isso ai, vamos a primeira!

Pesquisa: A socialização proporcionada pela Internet é importante para o desenvolvimento dos jovens

A Fundação MacArthur liberou uma pesquisa que indica que as habilidades de socialização dos jovens aumentam quando eles freqüentam redes sociais e outras comunidades online. Entretanto, o estudo destaca que por outro lado os estudantes não estão usando todos os recursos disponíveis da Internet para desenvolver sua educação. É interessante ressaltar que mesmo sem utilizar esses recursos, os jovens se envolvem intensamente em sites onde possam trocar conhecimento, e onde possam buscar aprender de forma autônoma, desde que o assunto seja do seu interesse.

O estudo durou três anos, contou com a partição de 800 pessoas e foram realizadas 5000 horas de observação dos participantes. A pesquisa foi conduzida por Mizuko Ito na Universidade da Califórnia, em Irvine.
O sumário executivo, ou resumo, está aqui.
Seria interessante observar se os massive multiple online role playing games (MMORPGs) também tem potencial para aumentar essa socialização. Se eu encontrar alguma pesquisa falando sobre isso, coloco aqui para vocês.

Referências:

Lewin, T. (2008, November 18). Teenagers’ internet socializing not a bad thing. The New York Times. [Online]. Retrieved November 23, 2008 from: http://www.nytimes.com/2008/11/20/us/20internet.html?_r=2&partner=rss&emc=rss&pagewanted=all

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